Diário Sucroenergético

Etanol continua em ampla desvantagem frente ao açúcar
 
Filipi Cardoso
Marcelo Di Bonifácio
Rafael Borges
Retorno (ou não) de impostos no setor de combustíveis continua gerando incertezas para o biocombustível em 2023

Nesta quinta-feira (15), o Supremo Tribunal Federal (STF) homologou, de forma unânime, o acordo feito entre o Governo Federal e os Estados em relação ao Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos combustíveis e outros produtos. As tratativas mantiveram a essencialidade do diesel, do gás natural e do gás de cozinha, concordando assim pela permanência do limite do ICMS entre 17% e 18% para essas categorias – como foi determinado pelo Projeto de Lei Parlamentar 18/2022, sancionado em junho de 2022.

Para o caso da gasolina, a sua essencialidade será objeto para debate posterior. A determinação deixa em aberto as perspectivas para o ano de 2023 no setor de combustíveis, em especial a busca pelo Ciclo Otto. Somado a isso, os impostos federais para gasolina e etanol estão zerados desde a metade do ano, e a volta dessas alíquotas no ano que vem é outra grande incógnita.

Fato é que a desoneração fiscal promovida no setor de combustíveis beneficiou a gasolina na competitividade com o etanol nas bombas. Isso porque a carga tributária no fóssil era maior – de quase R$ 0,70/litro – em relação ao biocombustível, que tinham somados PIS/Pasep e Cofins em R$ 0,13/litro. No Estado de São Paulo, o preço médio da gasolina nos postos caiu R$ 1,85/litro (-26,5%) entre o início de julho e o final de agosto, resultado do corte dos impostos, mas também pelos ajustes realizados pela Petrobras, na época. Em contraste, embora tenha seguido o movimento, o hidratado cedeu R$ 0,89/litro (-19,6%) no mesmo período. A paridade em SP, se operava em cerca de 65% em junho, voltou para cima de 70% no final de agosto.

Paridade entre o etanol hidratado e a gasolina em São Paulo (%)
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Fonte: ANP. Elaboração: StoneX.

 

 

Na maior parte de 2021, o etanol permaneceu em desvantagem frente à gasolina nas bombas, principalmente no segundo semestre quando houve a quebra na safra de cana-de-açúcar no Centro-sul. Com isso, a demanda pelo biocombustível ficou enfraquecida, sendo um dos motivos para os preços cederem no final do ano. Por outro lado, as fortes altas nas cotações da gasolina por parte da Petrobras incentivaram novas escaladas no etanol até meados de abril de 2022, quando o hidratado nas usinas de Ribeirão Preto atingiu R$ 4,70/litro.

Com o início da safra canavieira 2022/23 (out-set), as vendas do etanol cresceram, causando expressiva retração nos preços, que foram intensificadas assim pela desoneração fiscal e reajustes da Petrobras. Em setembro, o hidratado ganhou paridade novamente e o seu consumo foi estimulado, mas os baixos estoques nas usinas foram suficientes para que as cotações voltassem a subir, já operando perto de R$ 3,00/litro – 24,5% mais caro no comparativo com o que era negociado no início de setembro.

Preço do etanol hidratado nas usinas* (R$/litro)
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* Base PVU em Ribeirão Preto (SP), com impostos. Fonte e elaboração: StoneX.

A safra de cana no Centro-Sul brasileiro tem direcionado cada vez mais cana para a produção de açúcar, uma vez que sua vantagem sobre o etanol se manteve – com o NY#11 resiliente em patamares elevados. O preço do dólar também permaneceu acima dos R$ 5,00 nos últimos meses incentivando as exportações do adoçante. Neste momento, o hidratado no equivalente ao demerara em Nova Iorque é cotado ao redor de US¢ 14,90/lb, mais de 500 pontos mais barato em relação ao contrato de março/23 do #11. Ainda mesmo se comparado às telas de maio/23 e julho/23, o açúcar exportação tem prêmio positivo de 388 e 310 pontos, respectivamente, mantendo larga vantagem.

Paridade entre o NY#11 e o etanol hidratado* (US¢/lb)
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* Nas usinas, com base em Ribeirão Preto/SP. Fonte: ICE/NY e StoneX. Elaboração: StoneX.
Nesse sentido, o hidratado tem um longo caminho para conquistar novamente a competitividade com o açúcar e assim voltar a ter sua produção estimulada nas usinas. Esse cenário já deve ser mais bem refletido no mix açucareiro da temporada 2023/24 (abr-mar), que pode ser ainda maior que o fechamento do ciclo atual. A curva futura do NY#11 ficou cada vez mais invertida, uma vez que o mercado se depara com estoques no curto prazo apertados, mas possível entrada massiva de cargas brasileiras para exportação no segundo trimestre de 2023. 
Curva futura do NY#11 (US¢/lb)
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Fonte: ICE. Elaboração: StoneX.
Com a entressafra no Centro-Sul, existe suporte para as cotações do etanol permanecerem nos patamares atuais, principalmente se as usinas continuarem com os mix quinzenais mesmo tendo menos cana disponível. Assim, a depender dos estoques de passagem e das cotações iniciais na próxima safra, caso de fato essa queda no açúcar se concretize, é possível que o etanol recupere parte dessa competividade – no entanto, vale notar que o comportamento da curva futura do etanol na B3 também é invertido, podendo representar uma expectativa do mercado de cotações mais baixas nos próximos meses.
Como foi elucidado anteriormente, a volta dos impostos nos combustíveis pode favorecer o consumo de etanol. Caso retornem as alíquotas federais praticadas anteriormente, a paridade entre o biocombustível e a gasolina já voltaria para a região de 69,6% em São Paulo (calculada com os preços atuais divulgados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, a ANP), o que incentivaria a demanda pelo hidratado, já que sairia da paridade de atual de 76,7%. Com uma suposta volta do ICMS em SP nas taxas anteriores às mudanças do Governo, essa relação cairia ainda mais, para 68,8%, e poderia ser uma das válvulas de escape para as usinas elevarem preço, com potencial consumo maior.
O que vale ressaltar, é que os impostos impactam na comercialização direta ao consumidor, não necessariamente alterando o preço líquido na usina – que vai sim ser beneficiado ou prejudicado de acordo com variações na demanda. Caso o consumo do biocombustível cresça em um cenário extremo de retorno tributário completo na gasolina, que a encareceria ao consumidor em quase R$ 1,00/litro, pode ser fundamento para aumento das cotações nas processadoras, já que seus estoques estão baixos neste momento e pelo menos até o começo da próxima safra – abril/23.
Resumo do dia 

O pregão desta quinta-feira (15) foi extremamente volátil, iniciando o dia com uma alta que chegou até a marca de US¢ 20,73/lb (+2,2%) para o açúcar bruto, oscilando até uma mínima diária de US¢ 19,87/lb (-2%) e finalmente fechando o dia em US¢ 19,98/lb (-1,5%). Vale ressaltar, que esse comportamento do açúcar provavelmente está associado à atuação de agentes especuladores, que fizeram com que o spread entre as telas de março e maio chegasse a níveis atipicamente elevados durante a sessão desta quinta-feira.  Para o açúcar branco em Londres, a tendência foi similar, finalizando o dia na marca de US$ 545/ton (-1,8%), o que faz com que o diferencial Londres Nova Iorque permaneça na casa dos US$ 104/ton.

Em termos de fundamentos, as notícias de possível revisão na política de tributação da gasolina ainda não devem afetar os preços, uma vez que a distância do açúcar para o etanol é ainda grande, como foi discutido. Além disso, o governo indiano parece estar avaliando liberar mais cargas para exportação em janeiro do ano que vem, o que pode ser um alívio nos estoques no médio prazo.

Por outro lado, as operações no dia de hoje podem ter sido reflexo do cenário macroeconômico, frente a um dia de maior aversão ao risco (ao contrário do que estava sendo a semana), o que fica evidente no movimento do Dollar Index (DXY). A partir de meados da 11h00 (Brasília), o DXY entrou em forte rally, o que coincidiu com a inversão de tendência do açúcar em Nova Iorque, vide gráfico abaixo, representando a movimentação de parte do mercado retirando posições de ativos de maior risco, como são as commodities.

Intraday nesta quinta-feira do março/23-NY#11 (US¢/lb) e do Dollar Index (pontos)
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Fonte: Reuters. Elaboração: StoneX.

Tabela de indicadores

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Tags relacionadas: Combustíveis Renováveis

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